Somos todos iguais? Perante a lei, sim. Temos todos os mesmos direitos e deveres. Enquanto indivíduos, não. Somos identificados por diferentes características, que nos definem enquanto seres pensantes, seres culturais, que se unem por meio de instituições, de grupos, com os quais apresentamos afinidades e com os quais compartilhamos experiências e defendemos certas propostas ou certos ideais.
O ser humano é um ser social. Por mais que tenhamos nossos sentimentos, nossas ideias particulares, somente por meio de uma ação coletiva podemos conquistar objetivos maiores. Ninguém age sozinho a todo instante. Procuramos nos associar a outras pessoas em algum momento para alcançar objetivos e nada mais natural do que isso.
Por outro lado, com as novas tecnologias, podemos ver pessoas se manifestarem de uma maneira muito particular pelas redes sociais, destilando grande intolerância a ideias contrárias, aquilo que no seu entendimento particular passa por uma generalização de quem não conhece de dentro e acha que tem toda a informação sobre o outro, sobre o diferente, sobre aquilo do qual não faz parte.
Há muito se dizia: “Política, futebol e religião não se discute”. Discordo em partes.
Religião é baseada em fé, e cada um tem a sua. Querer convencer o outro que o seu pensamento é o certo e o dele é errado nunca dá certo. Toda discussão sobre religião que parte deste princípio não costuma terminar bem. Se ao menos soubessem que a palavra religião vem de “religar”, no caso religar a um poder superior, seja ele da maneira que for entendida por cada religião, e tivesse por base o amor, sem querer rotular como “macumba, feitiçaria ou coisa do demônio” seria muito mais possível um diálogo respeitoso. Quando se rotula o outro com seus conceitos pré-definidos, isso é preconceito. Não se alcança nada por aí. Há de se ter respeito pelo diferente, mesmo sem concordar.
Futebol é mais do que um mero esporte para muitos. É um fenômeno cultural que mexe com paixões intensas. Quem torce por um clube assume a defesa das cores e da história daquela instituição, às vezes com dedicação maior do que qualquer outra. Enquanto esporte, a existência do adversário é fundamental. A rivalidade entre torcidas é um dos ingredientes desta paixão. Mas a mesma também sofre com o mesmo mal da intolerância, quando extrapola o civilizado e casos de violência se tornam comuns. Tanto já foi dito sobre isso, que nem quero me estender. Além da violência física, há a violência moral. Não só as brigas, mas as ofensas, o ódio ao adversário que muitas vezes você nem conhece pessoalmente, o rótulo a certas torcidas usando discriminação racial, social ou de orientação sexual. E a completa falta de espírito olímpico ao zombar de maneira tão intensa quando um adversário é derrotado. Mesmo para zoar, há limites e ninguém merece ser levado ao limite da revolta por que seu clube foi derrotado. Tenhamos um pouco de percepção para ver quando a brincadeira com o amigo está chegando ao limite e isso está causando um conflito desnecessário apenas por falta de respeito a uma instituição que se você não faz parte ou torce, ainda assim, merece também o seu respeito.
Por fim a Política. Como não discutir Política? Ela foi feita para isso: para debater! É por meio do debate, da troca de ideias, da construção coletiva que se constroem as políticas públicas, que devem servir à coletividade e não a apenas um pequeno grupo. Política só se constrói no coletivo. É tão comum ouvir as pessoas dizerem: eu não voto em partido, só voto na pessoa. Isto para mim é um grande erro! Nenhum indivíduo, por melhor e mais bem intencionado que seja, vai construir algo sozinho em um ambiente que é coletivo por natureza. As ideias são construídas por pessoas, mas as pessoas passam e as ideias ficam. E no sistema político, um espaço necessário e fundamental é o Partido Político, onde as pessoas deveriam se reunir por terem convergências ideológicas. O que está faltando é ideologia. Legendas são criadas apenas para reunir um grupo por interesses específicos, não para uma construção ideológica. Dizer que não existe mais a diferença entre Esquerda e Direita é empobrecer o debate. As ideologias dão rumo ao trabalho político. Sem elas apenas vai se apagando incêndios, sem construir uma verdadeira proposta com projeto claro.
Atualmente quando as pessoas se identificam como parte de uma instituição, seja a sua religião, o seu time de futebol ou seu partido político, já são rotulados de uma maneira preconceituosa. Pois o preconceito é uma ideia pré-estabelecia por quem é de fora a respeito do outro. O problema está em não querer ouvir o outro lado e já taxar como errado, sem nem querer conhecer melhor. A opinião de terceiros (imprensa, vizinhos, ou o perigoso “ouvi por aí”) não pode servir de parâmetro.
Ninguém deve ser obrigado a concordar contigo. Ninguém deve obrigar você a concordar com ele. Taxar o outro como errado por que ele faz parte de um grupo do qual você não concorda não constrói nada. Há os espaços adequados para certos debates. No caso da política principalmente, onde passamos por um momento turbulento, não vamos rotular fulano por que ele é de partido A ou B. Vamos conhecer o histórico das pessoas, o que cada um construiu. O histórico coletivo. Será que tudo o que acontece de errado no país é culpa apenas de um partido político ou de quem está no poder? Será que a corrupção surgiu apenas agora? O que está sendo revelado não vem de outras gestões também? Se uma pessoa cometeu crime, todo o grupo do qual ela faz parte é errada? Não podemos punir as instituições, o coletivo, pelo erro dos indivíduos. O coletivo, a ideologia está acima do indivíduo. Quem errou precisa pagar, mas não é por isso que vamos destruir uma instituição. Este caminho intolerante de generalizar uma culpa já foi mostrado ao longo da História que não é a melhor solução. Sejamos menos preconceituosos e melhor informados sobre o que nos cerca antes de reproduzir uma opinião apenas por que uma suposta maioria disse aquilo. Vamos nos basear em informações pela sua qualidade e não apenas pela quantidade de pessoas que dizem. Conheçam a origem das informações antes de sair repetindo por aí. Melhor do que ficar batendo boca por que fulano é isso ou aquilo, busque um caminho para o debate franco, respeitoso e este debate com certeza será bem mais produtivo.
Rafael Fernandes de Souza. Professor de História
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