Entendo que devo dar uma resposta ao que foi publicado no Diário Oficial do dia 7 de junho de 2011. A razão pela qual fui exonerado do cargo de Gerente de Cultura e Educação da Administração Regional de minha cidade, o Cruzeiro.
Foram apenas quatro meses e meio. O convite me chegou por e-mail enquanto eu viajava pelas montanhas do Vale Sagrado no Peru. Euforia total! Era uma realização. Eu que nasci e cresci no Cruzeiro e a tanto vinha me dedicando à cultura local, pesquisando, me envolvendo com os grupos da cidade e participando de um modo ou de outro, idealizava a função de gerente de cultura do Cruzeiro como a mais honrosa e prazerosa das tarefas. Não um cargo, mas uma missão.
Comecei a trabalhar já durante as férias, no dia 14 de janeiro, conhecendo a rotina interna do Centro Cultural Rubem Valentim. Minha nomeação foi publicada no dia 4 de fevereiro e no dia 9 tomei posse.
Muitos projetos, muitas idéias, um desejo enorme de trabalhar. Uma ótima equipe, tendo o professor Fábio, meu amigo e parceiro na cultura local, como meu assessor direto. Um bom relacionamento com todos os colegas da Administração, independente do partido ao qual fossem filiados.
O sonho, porém, foi se mostrando diferente da realidade. A Conferência de Cultura foi o divisor de águas. Todas as reuniões preparatórias foram positivas, com idéias sendo apresentadas e construindo-se um diálogo com a comunidade. No dia 9 de abril a pré-conferência de cultura do Cruzeiro tinha tudo para ser um marco. E foi...
Não vou aqui retomar o intenso debate travado via e-mail’s à época. As pessoas para quem encaminho estas palavras fazem parte da mesma lista de contatos e puderam acompanhar o que ocorreu. Quem desconhece poderá saber em outra ocasião. Ali começou meu desencantamento com a presente gestão e surgiu o desejo de entregar o cargo. Abrir mão de um antigo sonho, porém, era duro. Considerei ser possível permanecer. Hoje vejo que o mais coerente era ter saído naquele momento.
Situações pontuais se sucederam e foram criando em mim um sentimento desagradável de não me ver como parte do processo, não devido aos colegas da Administração, mas por não concordar com métodos e atitudes. Não dava para defender posições ou ações com as quais não concordo e ainda são contestadas por setores da comunidade. Muitas das críticas feitas corresponderam ao que eu penso.
Eu poderia até conviver com as divergências, comuns à democracia. Não fui perseguido ou coagido. Senti, entretanto, que faltava o clima favorável para realizar o trabalho da maneira que julgo coerente. Vinha acumulando uma insatisfação crescente com vários motivos, dentre os quais posso citar alguns:
1- A já referida pré-conferência de cultura do Cruzeiro e os ônibus com pessoas alheias à realidade local escolhendo um Conselho Regional de Cultura composto para estar alinhado com a presente gestão.
2- O projeto “Quadradão ao cair da tarde” feito para ser uma marca da atual gestão e que foi sendo conduzido de uma forma que mais atendia um desejo pessoal do que o da comunidade. Um desdobramento disto foi a não realização do I Circuito Instrumental no espaço específico da SHCES Q.1205/1303.
3- A não-nomeação de colegas que aguardam trabalhando desde o início do ano, enquanto outros que chegaram a pouco foram assumindo seus cargos. Entendo que este fato específico ocorra em função da reestruturação de cargos conduzida pelo governo, mas ver colegas trabalhando de graça e não poder fazer nada incomodou bastante.
4- A transferência do prof.Fábio para o Protocolo, mesmo a título provisório por um período que deveria ser de dois meses, sem uma consulta prévia, afinal fiquei desfalcado de meu principal apoio na Gerência de Cultura.
5- O tratamento dado a alguns companheiros, os quais não devo citar para preservá-los, mas que causou indignação pela falta de cuidado ao se colocar certas palavras. Franqueza é importante, mas respeito ao próximo mais ainda. Tais atitudes são desagregadoras.
6- O clima desarmônico entre setores do Partido dos Trabalhadores no Cruzeiro e a atual gestão. Por mais múltiplo e composto por tendências que seja o PT, tem sido difícil construir um diálogo entre os diferentes lados. Como recém-filiado, não faço parte de nenhuma tendência, e tenho bom relacionamento com vários companheiros, sem necessariamente estar vinculado a esta ou aquela corrente. Sempre trabalhei pelo PT como uma força una. Hoje vejo que as diferenças internas são mais profundas do que eu percebia de fora.
Tal sucessão de fatos e a necessidade de um posicionamento me levaram a colocar meu cargo à disposição na quinta-feira, dia 2 de junho. Não foi uma decisão fácil. Ser o Gerente de Cultura do Cruzeiro sempre foi um desejo muito forte. Na verdade faltou a devida certeza, mas pensava em tal idéia há dois meses. Foi de certo modo um rompante, mas que me tirou um peso dos ombros. Era preciso expor o que sentia. Citando o Capitão Nascimento: “Ou você se corrompe, ou se omite, ou vai para guerra.” Sinto que me omiti por tempo demais e Deus me livre de me corromper.
A falta de certeza ainda levou a uma nova conversa com meus dois superiores hierárquicos, logo no dia seguinte. Tocante até, entendi naquele momento que era possível aparar arestas e prosseguir no cargo. Era necessário nos entendermos e aprofundarmos alguns pontos. O fim de semana passou e tais pontos não foram aprofundados.
Na segunda-feira entendi que, ao menos por hora, a situação pudesse ser revista, devido às palavras do administrador ao passar por mim no gabinete. Veio a terça-feira, dia 7 de junho, e a exoneração estava publicada.
Entrei em uma bola dividida sem firmeza no pé. Eu não queria sair, mas não poderia ficar do jeito que estava. Um sentimento misto de desilusão e alívio tomou conta de mim. Ficou claro que permanecer não resolveria minha angústia.
Continuo Diretor de Cultura da ARUC, filiado ao diretório zonal do Partido dos Trabalhadores no Cruzeiro e diretor de cultura da Prefeitura Comunitária em Defesa do Cruzeiro Novo. Baseado neste tripé continuarei minha militância pela memória e cultura local.
Agradeço a todos com quem convivi nestes breves 143 dias, especialmente aos artistas do Cruzeiro e a equipe do Centro Cultural Rubem Valentim. Lá sempre foi um espaço referencial em minha história de vida. Agora, mais ainda. Serenamente dou um passo nesta caminhada e saio da Gerência de Cultura para voltar a trabalhar com História.
Rafael Fernandes de Souza
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