Na primeira semana de maio, a euforia tomou conta dos/as estudantes da Escola Classe 04 (EC04), do Cruzeiro Novo. Dinâmico R, o super-herói do Cruzeiro, apareceu na escola em carne e osso e trouxe consigo um dos momentos mais emocionantes que a escola já viveu nos últimos tempos. Sua breve passagem pelo ambiente escolar transformou em realidade o sonho da criançada de ver um super-herói ao vivo e a cores.
O burburinho começou quando os/as estudantes do 1º ao 5º Ano, com idades entre 4 e 11 anos, perceberam o vulto sorrateiro e rápido passar pela janela das salas de aula. Dessa hora em diante, o aprendizado de ciências naturais, matemática, língua portuguesa e outras disciplinas lecionadas pelos/as professores/as de Atividades deu lugar à gritaria, à correria, ao falatório e à emoção.
Olhos arregalados e atentos, mãos geladas e trêmulas e respiração ofegante denunciavam o clima de alegria, felicidade e até de comoção. Todo mundo queria vê-lo de perto e experimentar um contato pessoal. Os/as 340 estudantes, distribuídos nos turnos matutino e vespertino, vibraram com a chegada tão desejada de Dinâmico R. Por muitos e muitos anos terão assunto para contar e, dentre eles, o de que viram, pessoalmente, um super-herói.
Uma estudante de 4 anos, da Cidade Estrutural, pediu, aos prantos, para abraçá-lo. Insistiu em um autógrafo. Mas, somente depois de muito choro e tensão, ela conseguiu, com as mãozinhas geladas, abraçá-lo. Foi a única que estabeleceu um contato pessoal com o super-herói. Outro estudante, do alto dos seus 9 anos, assegurou à diretora que o viu sair voando do quinto andar do prédio ao lado da escola.
“Desci do prédio e quando cheguei à escola, para minha surpresa, ela [a estudante de 4 anos] estava chorando muito porque queria abraçar e obter um autógrafo do Dinâmico R. Ela tremia. Foi muito tocante. Eu a abracei e a peguei no colo. Dei a assinatura para ela e perguntei onde ela morava. Ela disse que morava na Estrutural e pediu para eu ir na casa dela. Foi tudo muito gostoso. Isso encanta a gente”, relata Fábio da Silva, professor de artes do CEM Elefante Branco, do CEM 02 do Cruzeiro e diretor de teatro.
Por mais de duas décadas Fábio tem participado da produção teatral relacionada ao Dinâmico R. Dirigiu as peças de teatro encenadas nas escolas por estudantes e participou de outras produções relacionadas ao super-herói. Ele foi convidado pelo criador do personagem, Rafael Fernandes de Souza, professor de história do CEM 02 do Cruzeiro, para interpretá-lo no teatro e, a partir desse contato, toda a produção envolvendo o tema é elaborada pelos dois professores. E assim fizeram durante anos.
Mas, há alguns anos, dedicados a outras atividades, arquivaram o projeto. Este ano, ele ressurge na EC 04, por intermédio da servidora Lílian, que conhecia a obra e o autor e viu no subtema deste ano do Projeto Vivências a oportunidade de ressuscitá-lo. Juntamente com a diretoria da escola, Rafael planejou uma exposição literária para apresentação do super-herói brasiliense.
No entanto, os/as estudantes queriam mais: desejavam ver o próprio Dinâmico R em ação. Daí a ideia de criar uma apresentação teatral em palco aberto para atender aos anseios da criançada, “já que ele é do Cruzeiro”. A ideia era fazê-lo passar rapidamente por dentro da escola e levá-lo ao “quinto” andar de um dos blocos do Cruzeiro Novo de forma que a criançada pudesse avistá-lo de lá de baixo, do pátio da escola.
O fato é que Dinâmico R, “o super-herói do Cruzeiro” ou “o cara do quinto andar”, aterrissou na EC04 pelas mãos do seu criador, Rafael, para integrar o Projeto Vivências, levar as crianças ao delírio e ajudar professores/as e diretoria a promoverem a multidisciplinaridade, interatividade e interdisciplinaridade previstas no currículo de uma escola classe.
Professores dão vida a super-herói
A trajetória de Rafael com seu personagem na literatura, nos quadrinhos, no teatro e até na música vem de muito tempo. A parceria com Fábio também. No fim da década de 1990, ele readaptou as crônicas para o texto teatral e, desde então, Fábio dá vida “humana” ao personagem e o desenha para os quadrinhos.
Todo esse trabalho produzido em mais de três décadas integrou uma exposição na EC04, em abril deste ano, como parte do projeto “Vivências”, cujo subtema de 2017 é Somos todos super-heróis: vamos combater o desperdício. “Trouxe tudo o que produzi e fiz uma palestra para eles. Contei que criei Dinâmico R quando ainda era criança e, como eles, estudava numa escola pública. Falei sobre a possibilidade de todos eles poderem desenvolver e materializar ideias e habilidades como essa e outras que fazem parte do imaginário de cada um”, contou o professor.
Ele diz que as histórias do Dinâmico são todas relacionadas ao Cruzeiro Novo e Velho. “Ele é conhecido como o cara do quinto andar. Como no Cruzeiro Novo os blocos são todos de quatro andares, ele fica no quinto andar, andando pelos telhados. As histórias têm esse enredo”, explica.
Diferentemente dos outros personagens reais que participaram do Vivências no primeiro semestre deste ano, o de Rafael teve de ir à escola, oficialmente, duas vezes. A primeira vez foi para ele expor sua produção literária e falar sobre a história do super-herói, cujos objetos integraram uma exposição realizada na escola. As crianças apreciaram a exposição, folhearam os livros, viram os desenhos, assistiram ao vídeo e visualizaram a roupa que havia sido usada nas peças de teatro. Tudo foi preparado para atiçar a curiosidade delas.
“Mas quando eu vim conversar, elas estavam na expectativa de se encontrar com o próprio super-herói e não com o cara que escreve as histórias. Daí a ideia de trazer o Dinâmico R. Combinamos tudo com a diretoria, que deu a ideia de dar movimento e fazer os estudantes protagonizarem também esse momento. Em vez de o super-herói chegar no pátio e brincar com as crianças na hora do recreio, o emocionante seria criar um clima, fazê-lo passar pela escola, como um vulto, como se estivesse realizando uma ação para que as crianças o vissem em cena, percebessem o vulto passando pelas janelas das salas de aula. E assim foi feito. Voltei a convidar o Fábio e deu tudo certo. Foi uma emoção”, contra o professor de história.
Projeto literário Dinâmico R
Criado por Rafael em 1984, quando ainda era estudante do ensino básico da rede pública do DF, o super-herói do Cruzeiro foi materializado em crônicas publicadas no livro “Dýnamis Érrion”, publicado em 1998. Em 2004, Rafael publicou o “Almanaque do Dinâmico R” para comemorar os 20 anos do personagem.
Em 2005, publicou um livro com novas histórias e, em seguida, o personagem foi adaptado para o teatro. Logo em seguida, ganhou um videoclipe e se tornou personagem de dois gibis. Em 2007, estrelou como personagem do videoclipe que lançou a música “R ao contrário”, do grupo brasiliense de rock Plebe Rude. Este ano ele volta com um tom pedagógico para a alegria das crianças da EC04.
O Projeto Vivências
Há mais de 10 anos, o Projeto Vivências foi implantado na instituição para servir de eixo, orientar e promover o Projeto Político Pedagógico da escola. Foi criado pela diretora Rivânia Lima de Oliveira, que se aposentou em 2016. E prossegue com a atual diretora, Simone Alves Cardoso Martins, e vice-diretora, Graziella Hott do Amaral. Este ano, com o subtema Somos todos super-heróis: vamos combater o desperdício, elas pretendem levar as crianças a pensarem em como evitar o desperdício, sobretudo de água.
“A gente trabalha os super-heróis com a ideia de que “somos todos super-heróis”. Inicialmente, trabalhamos as características de cada super-herói da fantasia. Depois, em outra etapa do projeto, o super-herói é trabalhado na vida real. E aí entrou a simulação do bombeiro aqui na escola, bem como outros profissionais, que são personagens reais, do dia a dia, como policiais, enfermeiros, socorristas, os quais irão atuar também neste trabalho”, informa a diretora.
Nos dias da apresentação do Dinâmico R, a diretoria da escola e os/as professores/as prepararam a criançada para compreender o que vem a ser um super-herói na fantasia e na vida real, promovendo, assim, os temas transversais previstos no Currículo em Movimento, que prevê o ensino da educação ambiental e dos valores culturais, morais, éticos e sociais para estudantes da faixa etária de uma escola classe.
Na fantasia, mostraram que se trata de um personagem que ninguém pode imitar na ação de voar, mas pode imitá-lo na atitude mental de ser bom e desejar o bem, e no comportamento, agindo com amabilidade, companheirismo, responsabilidade, honestidade, fraternidade, cooperação, não discriminação, não violência, tolerância, ética, respeito, entre outros valores que transformam a sociedade em lugar de justiça e paz.
A diretora explicou que “o projeto trouxe o tema do super-herói para instigar e despertar na comunidade escolar, sobretudo nos/as nossos/as estudantes, o fato de que todos/as podemos ser super-herói e super-heroínas e que ele e ela, enquanto criança, podem também mudar a realidade para melhor. Não é somente o super-herói e aquela pessoa da fantasia que a criança imagina ter poderes que está pronta para realizar o sonho, para ajudar, para defender alguém”.
Graziela Hott, vice-diretora, complementa: “Essa é a primeira parte do projeto, que trata de conhecer o que é um super-herói, de como ele é, como seria, o que faz um super-herói, que tem os inimigos. Aponta o que ele combate. Para isso, fizemos o painel com os super do bem e os super do mal no qual mostramos as indagações: O que ele defenderia? O que o mal quer destruir? O que o super-herói defende?”
Ela diz que, em seguida, “pedimos aos/às professores/as para trabalharem, nesse primeiro momento, o “eu”, a família, que já é trabalhado no currículo, e, a partir daí, a gente vai para o super-herói da vida real. Você também pode ser um super-herói: essa é a segunda parte do projeto que irá mostrar ao/à estudante, ao pai e à mãe, etc. que todos/as podem ser também super-heróis”, explica.
Simone conta que um dos momentos apropriados para demonstração desse conceito foi no período do Dia das Mães. “Perguntei várias vezes se ela, a mãe deles/as, não poderia ser denominada de super-heroína. Ela não acorda cedo? Não dá conta de almoço? De lavar roupa? De cuidar de você? De trabalhar? De cuidar da casa? Ela não chega em casa do trabalho à noite e ainda vai cuidar de todos e fazer a janta? Ela é uma super-heroína, não é? Para conseguir fazer tudo isso só sendo uma super-heroína, não é? E assim levar isso para a vida deles/as e ver que tem possibilidade de se fazer as coisas com os valores emitidos pelos super-heróis”.
O projeto conta também com os superprotetores do recreio, que ajudam na organização do momento de descanso entre as aulas. “Eles têm uma capa de super-heróis, separam brigas, apazígua o ambiente”, comenta a vice-diretora. O objetivo é trazer de forma pedagógica e alegre os valores que se trabalha na escola, como a socialização, a solidariedade, o ajudar ao próximo, entre outros que formam o caráter e a personalidade da criança e abrem sua mente para aquisição do conhecimento.
“Como na segunda etapa do projeto a gente vai trabalhar a questão do desperdício, vamos trabalhar a conscientização de que ele é gerador dos fatores que formam a subjetividade da sociedade, contudo, não só na questão da solidariedade, mas também no combate às coisas que prejudicam. Na questão, por exemplo, de respeitar o outro ou de não desperdiçar os recursos hídricos. Vamos mostrar o que é ser vilão. Usamos vídeos de desenhos animados, como o da Liga da Justiça, no qual eles [os super-heróis da Liga] se sentem ameaçados por um menino prodígio que é o Ben 10 que fala que ele é o herói da própria vida, que tem um poder maravilhoso”, explica Simone.
Regina Célia Pinheiro, diretora de Política Educacional do Sinpro-DF, vê os dois projetos como fruto da liberdade de cátedra que existe hoje nas escolas. E destaca a gestão democrática como instrumento que assegura essa liberdade e apoia projetos pedagógicos, como o Vivências, e o artístico-literário, como o Dinâmico R, que reuniu dois professores, um de história e um de artes, numa produção literária infanto-juvenil.
“Não podemos deixar de citar a importância da gestão democrática nesse processo de construção de Projetos Políticos Pedagógicos. A gestão, além de tantos outros fatores, viabiliza a construção livre e criativa de toda a comunidade escolar, enriquecendo e fortalecendo o desenvolvimento do/a estudante, que envolve a interação dos conhecimentos, competências e motivações desse sujeito, trilhando, assim, no cotidiano escolar, o caminho para uma escola pública de qualidade, gratuita, socialmente referenciada, bandeira deste sindicato”, finaliza Regina.
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